Caminhando no cemitério

            Ele estava no cemitério, visitando a administração, tentando obter informações a respeito dos procedimentos de legalização de uma sepultura, adquirida às pressas por um conhecido, premido pela ocorrência de uma morte brusca na família.

            Era uma manhã bonita, e sentiu um desejo de caminhar por entre as sepulturas, por mais bizarro que isso pareça. A ele também pareceu, mas algo o impulsionou a ir. E lá saiu ele em caminhada pelas “ruas” do cemitério.

            Uma sepultura particularmente chamou a atenção dele. Era suntuosa, com uma cerca de belo acabamento, repleta de escritos negros sobre o mármore e com uma enorme figura de um anjo como que velando o local. Mas o que mais chamou a atenção dele foi que, sendo um casal, eles não estavam lado a lado, mas sim uma sepultura de frente pra outra.

            Ficou intrigado olhando para aquilo. No mínimo era pouco usual. Inclusive porque o espaço era mal utilizado, havia perda de área, era difícil de ler o nome dos mortos, etc., etc., etc. Imerso naqueles pensamentos “administrativos”, se assustou quando ouviu alguém dizer “Você está prestando atenção na coisa errada…”

            Pensando que cemitério não é o melhor lugar do mundo para ficar se ouvindo vozes, olhou em volta a procura da origem do som, e nada. Cemitério em dia útil pela manhã definitivamente não é o lugar mais popular do mundo…

            Já que não tinha platéia para julgá-lo louco, resolveu perguntar: “como assim coisa errada?” E a voz  tranquilamente respondeu “amei minha mulher com toda a força do meu coração, mas ela partiu antes de mim. Sofri muito, mas superei, embora a saudade sempre me apertasse o peito.”

            Prosseguiu: “Segui minha vida, e quando senti que a morte estava me alcançando, providenciei a compra e a construção deste mausoléu. Transportei os despojos de minha esposa pra cá, e mandei aprontar deste jeito o local de nossa última morada.”

            Ele disse “Ficou muito belo, mas porque um de frente pro outro?” E a voz quase que sorridente respondeu “você realmente está prestando atenção na coisa errada… já te falei do meu amor por esta mulher… estamos assim, pois no dia do juízo final, quando os mortos ressuscitarem, o rosto de minha amada é a primeira coisa que eu quero ver…”

            Aquilo o surpreendeu, de arrepiar os pelos do corpo. Orou pelo novo amigo, o dono da voz, mas sentiu que não era hora de doutriná-lo. Ele sentiu que para a voz faltava entendimento de algumas coisas, mas que ela sabia de outras muitas mais do que muita gente…

            E ele foi embora pensando: “Puxa vida, se os mortos amam desse jeito, o que os vivos estamos fazendo? Esperando a morte chegar para descobrir que nós temos amado pouco?”

            Ame. Ame seu companheiro. Ame seus pais. Ame seus irmãos. Ame seus filhos. Ame seus amigos. Ame a planta da sua casa. Ame as crianças que você não conhece. Ame tudo que estiver ao seu alcance, pois com certeza o amor está a seu alcance a todo instante.

Como já disse um escritor, amar pode ser um verbo intransitivo. Ou seja, se você acha que não tem alguém ou algo pra amar, simplesmente ame.

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