Crônicas da vida – Comentários na véspera do Cí­rio 2007

Minhas filhas são maravilhosas. Provavelmente as suas também são especiais e únicas, mas as minhas são minhas e isto as coloca em permanente vantagem sobre qualquer outra. Tenho certeza que você entende isso perfeitamente. A menos que você não tenha filhos ainda, e viva achando que é a mesma coisa amar um sobrinho ou uma criança carente que você resolveu apoiar. Critique, se quiser, mas ponha crédito na minha afirmação: tive minha primeira filha já com quase 35 anos, e de um jeito ou de outro (sobrinhos, filhos de amigos, etc.) tive diversos contatos com crianças antes das minhas. Nesse momento estou vendo uma das “obras” das meninas. Nem sei que qual foi, mas pelo tipo de traço, deve ter sido da Gabriela, que está com pouco mais dois anos. Gabi é magrinha, e se seguir a linha dos primos cariocas, que foram crianças magrinhas que “esticaram” muito depois, vai crescer muito, mais hoje minha Gabi é pequena e magrinha.

A arte que eu vejo é na parede atrás da mesa do computador onde estou. Sim, minha parede outrora pintada de branco gelo agora tem traços que devem ser impressionistas, pois me impressiona como ela conseguiu escrever ali! Não cabe uma perna minha naquele espaço, nem a Gabi, por menor que ela ainda seja hoje. Como essa miúda chegou lá? Mas chegou… e riscou!!! Morreu Paulo Autran. Que sua chegada no seu destino seja de muita paz, e que aqueles que o amam estejam lá para acolhê-lo. Nunca assisti Paulo Autran no teatro. Diversas vezes, em curtas passagens de férias ou trabalho no Rio, lia sobre peças suas no caderno de cultura do O Globo, mas nunca fui. Adoro filmes e livros, mas nunca fui amante do teatro. Sou de uma época em que o Bussunda apresentava o “Cabeça Feita” na TVE e o Planeta Diário era um jornalzinho underground, onde a gente podia comprar umas camisetas escritas em letras grandes “Vá ao teatro” e em letras miúdas “… mas não me convide”. Os anos 80 foram um barato… o fim da ditadura permitiu a eclosão de coisas que nunca mais se repetirão…

Hoje vou ao teatro, por causa das meninas. O Teatro da Paz, um belí­ssimo teatro com uma acústica única (li isso dito por alguém que entende, e repito aqui…), tem sido palco das apresentações de dança delas. Vou meio a contragosto, pois são meses de ensaio, dinheiro gasto com roupas, maquiagem em cada dia que há apresentação, e ainda tenho que pagar o ingresso para ver minhas filhas dançarem três minutos!!! O resto do tempo são as professoras que não conseguiriam encher um teatro para serem assistidas, e uns dançarinos convidados vestidos de Peter Pan (aquelas malhas coladas não parecem o figurino da Terra do Nunca ?), dançando conforme o tema do espetáculo, até o final do mesmo… A outra arte de uma das meninas está na porta do meu armário. É da Amanda, com certeza. Está até assinado. Quando a gente é solteiro e sem filhos, se gasta um dinheirão personalizando suas coisas: viaja pro Nordeste e traz chaveiros com seu rosto na frente de um monumento; grava seu nome em canetas cuja comissão da venda garante o jantar do vendedor, embora ele nem consiga pronunciar corretamente o nome da mesma; ou paga regiamente um artesão de rua para ele gravar em madeira algo do tipo “Casa do Fulano. Bem vindo os homens de bem e os canalhas também…”, placa esta que lá pela terceira mudança ou terceira década de vida se conclui que é melhor jogar fora… Isso sem falar nas latinhas de cerveja personalizadas, que de tanto guardar, “chocaram” e tiveram que ser jogadas fora. Pois agora, custando somente o amor da minha garotinha, o meu armário está personalizado pela arte da minha filha.

Minha primeira reação foi de lamentar a “pichação” do guarda-roupa que ainda nem pagamos, ainda mais eu, que, menino pobre, sempre fiz minhas coisas durarem acima do normal, afinal nunca sabia quando poderia ter outro. Meus brinquedos, alguns muito bons, presentes dos meus tios ricos por parte de mãe, acabaram ficando para meu sobrinho mais velho, Andinho (hoje já um cidadão de 27 anos e 1,90…), que, como toda criança deve fazer com seus brinquedos, acabou com todos eles brincando… Pois é como disse, fiquei meio “assim” quando vi a arte, mas depois sorri. Como é bom ter alguém que faz isso pra gente… As artes da Glória estão espalhadas pela casa. Desenhos, pintura, gesso e dobraduras em papel. Os desenhos em papel consomem todas as folhas A4 que compramos. E como artistas chiques, tem seus repentes: nenhuma delas gosta de papel “sujo”, já escrito de um lado. Tem que ser novo. Antes eu comprava daquele papel mais caro, agora só esses “Jandainha” da vida, que cumprem muito bem seu papel…de papel!!! Na parte musical, existem trechos que já foram ensaiados no piano tantas vezes que já estou eu quase para sentar e tocar… Fora as artes da cozinha… Mas não vou nem alongar nisso, pois está quase na hora do lanche, é melhor não pensar em comida agora para não arrebentar…

A arte da minha esposa? Como não quero gerar inveja e atrair olho gordo, ficarei com apenas um talento da minha esposa: gerar essas meninas. Quanto aos outros, sou discreto e egoísta, vou literalmente guardar pra mim. Eu? Eu sou um espectador privilegiado… Pois é, hoje é véspera de Cí­rio. Nossa Senhora de Nazaré já passou de barco aqui na Baí­a de Guajará, pertinho de minha casa, os fogos já se estouraram, os helicópteros da televisão já se foram, tudo pronto para a Trasladação mais a noite e para a grande procissão amanhã. Com direito, por mais humilde que seja a famí­lia, a um almoço de Cí­rio amanhã. Seja um patarrão ou um franguinho, mas sempre tem algo no tucupi. Para quem não sabe o que é Cí­rio, procure no Google ou veja no Jornal Nacional de sábado 13 de outubro. Belém só aparece no JN no Círio ou quando alguém mata uma freira americana por aqui… Uma dica: o Círio é a festa da família paraense. Aqui o clima é tórrido, temos deficiências de saúde pública e temos décadas de atraso social e urbano para tirar, mas pelo menos, temos dois Natais!!! Bom Cí­rio 2007 pra vocês!!!

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