Encontros com o mestre – De nederlandse hond (o cão holandês)

Fazia um tempo que eles não se viam. Mas como companheiros de muitos anos, rapidamente estavam ambientados novamente. Essa é a mágica das grandes amizades.

Caminhavam por um lugar estranho. Não era surpresa para ele: não raro o mestre assim o fazia. Cada lugar tem um conhecimento, uma história, uma tradição, algo a nos ensinar. E a casa do pai tem muitas moradas, lugares que ele sequer conseguiria idealizar, dizia o mestre…

Mas este era estranho, mas não era difícil identificar, mesmo sem ter nunca estado lá. Os canais, gente morando nos barcos, as flores, os tamancos, os museus… moleza.

Pararam na esquina de um bairro aparentemente residencial. Mas no mesmo espaço onde moravam as pessoas, outras pessoas se divertiam em bares ao longo da transição entre a tarde e noite.

Em frente a algo tipo uma mercearia, um cachorro observava o movimento impávido. O cão holandês. Ele observava o ir e vir das pessoas, umas apressadas, outras em ritmo mais lento. Senhorinhas a caminho de seus credos religiosos, jovenzinhos a caminho de suas baladas noturnas. E o cão lá, postado, como que em uma missão militar de preservar seu posto.

Em uma porta em particular, os jovens se acumulavam em uma inquieta fila. Os sorrisos se ouviam a distância, embaladas pelo frescor da juventude, da leveza das obrigações e pela liberalidade da cidade. Amigos esperavam sentados na calçada a chegada dos mais atrasados, numa divertida conversa. Outros já entravam para participar da festa.

Ouvia-se ao longe as manifestações de auto-exaltação, de realizações feitas e de sonhos futuros, da sorte do passado e da confiança nos dias que virão. Da plenitude de suas vidas e de seus sonhos e planos. De como eram maravilhosos aqueles dias.

O cão holandês permanecia impávido. Olhava ao longe aquele movimento, sem se alterar.

Nessa hora, ele olhou para o mestre. “Mestre, o senhor nem sempre é claro quando dá suas lições. Várias vezes inclusive me deixou sem entendimento. Em certos casos, só obtive respostas e compreensão anos depois. Mas desta vez está estranho: vejo claramente que este cão jamais irá a festas, fará projetos ou confraternizar-se-á com os amigos. Ele jamais entrará neste clube. O senhor quer dizer que algumas coisas realmente não são acessíveis para todos?

Nesse momento, saiu um menino da mercearia. Avental preso ao corpo. Rosto cansado de uma tarde de trabalho, depois de uma manhã de estudo. Ele olhou os jovens na rua. Por uma fração de segundo, uma expressão de tristeza veio ao seu rosto. Mas como que iluminado por um pensamento feliz, ele balançou a cabeça, sorriu, pegou o cão e entrou na loja.

E o mestre perguntou: “Por acaso você é um cachorro? Tenha paciência e fé.”

E eles voltaram. Ele queria mais, mas as vezes uma gota é o adequado, mesmo que a sede pareça imensa.

Paciência e fé.

 

Esta entrada foi publicada em Publicações. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário