Crônicas da vida – 15 anos da Glória

Um dia desses, Glória fazia curso de férias na Aliança Francesa e eu fui deixá-la lá pela manhã, antes de ir trabalhar. Deixei-a na porta do curso, observei-a  entrando no prédio e em seguida saí com o carro.

No meu caminho normal, logo a frente faço uma conversão para a esquerda.  Minha opção  natural é olhar o sinal logo mais a frente, para ver se eu vou conseguir alcançá-lo, antes que ele feche. Mas sem razão aparente, neste dia em particular o que me chamou atenção foi uma placa anunciando que determinada clínica radiológica agora fazia “PET Scan” em Belém.

Foto Dia_2012_06_18_Hora_17_43_4610258844Admito para risada geral que em primeiro momento achei que era uma tomografia para cachorros. Ou para animais de estimação em geral. Podem rir a vontade, eu mesmo achei muita graça nisso… depois. Além da minha ignorância médica, acho que como minha cunhada abriu um “pet shop” aqui na cidade, fiquei com a palavra presa na cabeça. Meu cérebro associou PET incondicionalmente com animal de estimação…

Rapaz, o cérebro da gente faz umas associações estranhas… ou é só velhice mesmo…

Na verdade, eu estranhei. Tomografia para animais é um pouco avançado demais para uma cidade com o porte e desenvolvimento de Belém. Mas, tendo quem pague (e aqui tem….) sempre aparece alguém disposto a prover o serviço.

Mas durante o trajeto para meu trabalho, apesar da minha desconfiança, eu ainda tinha em mente a ideia de tomografia para cachorros. Por uma dessas divinas conexões cerebrais, eu me lembrei de um livro lido há muitos anos, um que falava sobre os malefícios do cigarro.

Tenho lembrança de ter lido este livro na casa dos meus avós maternos, Ângelo e Rosália. Cearenses clássicos, retirantes nordestinos radicados no Rio de Janeiro, eles educaram todos os fihos (todos os onze…), mas eles mesmos não tiveram acesso a educação. Lembro disso pois logo nas primeiras páginas do tal livro estava escrito a caneta, com uma caligrafia trêmula “o segaro é peregozo”. Em minha “tradução”, “o cigarro é perigoso”.

Deve ter sido anotação do meu avô. O filho caçula, o único que ainda morava com eles, meu tio Pascoal, era um homem “letrado”, como eles diziam. E era mesmo. Lembro dele ainda com cabelo “black power” (gente, estamos falando da década de 70…) lendo uns livros já antigos (na época) de Madureza Ginasial para arrumar mais exercícios para fazer.

Mas voltando ao livro do cigarro – meu pensamento trouxe-me a ele junto com a ideia da tomografia para cachorro pois um dos textos falava sobre uma senhora que internou-se com as pernas quebradas, pois seus cães se enrolaram em suas pernas e a fizeram cair de uma escada.

Inquirida pelo médico porque ela criava cães ao invés de adotar crianças, visto ser uma senhora de posses, ela conta a história de ter visto, no período pós-guerra, dois irmãos brigarem e um deles esfaquear e matar o outro por uma “guimba” de cigarro.

Eu internalizei essa história, entre várias outras do livro. Felizmente, o lado bom, creio eu. Nunca fumei, e até hoje não sei fumar. Mas sempre quis ter filhos, sempre. Muito antes de pensar em casamento, eu sabia que queria ter filhos.

Andei muito até chegar neles. No meu caso, nelas. Fui pai quando podia criá-las, abrigá-las, alimentá-las e educá-las. Devo deixar a desejar em diversos outros aspectos, mas procuro fazer o melhor que posso neste “trabalho”, como fizeram os que vieram antes de mim.

Apesar das muitas dificuldades que tenho encontrado em minha caminhada (e acredite, não foram poucas…) sempre agradeço a Deus em minhas orações porque acho que minha vida tem dado muito certo. Mesmo com as cacetadas que recebo daqui e dali, acho que começando de onde eu comecei, posso agradecer a Deus por cada progresso alcançado.

O lado profissional é uma dessas vertentes. Embora cada vez menos eu seja um primor de sociabilidade, sempre fiz pelo menos um amigo de verdade em cada lugar que trabalhei e em todos eles tive minha saída lamentada, deixando sempre um rastro de serviço bem feito.

Por conta de um projeto chamado JurisCalc, nos últimos anos eu tenho corrido o Brasil a trabalho. Com direitos a algumas frases curiosas – em Curitiba “diga o que você precisa para sua tarefa; depois do que o Juarez falou de você até o meu lugar se você quiser eu te dou”, em Porto Velho, “cara, você veio resolver definitivamente o problema da nossa seção”; no Rio de Janeiro “você é o Luiz Carlos, do JurisCalc? Espera que tem um monte de gente querendo te conhecer…” e em João Pessoa, uma que fez rir muito “se quiser comprar um apartamento aqui, eu posso te apresentar ao pai da Luiza, que voltou do Canadá”.

A receptividade, o reconhecimento, o bom trato, tudo isso faz bem ao ego, não nego. Mas os prêmios em concursos de qualidade, as portarias de elogio e as notinhas nas Assessorias de Comunicação nunca chegaram ao conhecimento das minhas filhas. Elas sabem apenas que o papai viaja, fica fora uma semana, e como compensação pelo sufoco que ela deixa a mamãe (minha esposa é obrigada a segurar as pontas de tudo em casa…), ele volta cheio de presentes. Pelo menos, na maioria das vezes.

Na verdade, elas nem sabem o que eu faço.

Não tem problema. Eu gosto de reconhecimento, mas já estou rodado demais para saber que ele só costuma chegar quando a gente não tem mais condição de ouvi-lo…

Um dia desses, um colega do trabalho viu minha filha Amanda no supermercado, acompanhada de minha sogra, e perguntou a ela – “você é filha do Luizão ?” Lá no trabalho eu sou o Luizão. Como não sou alto, você imagina que minha barriga tem alguma culpa nessa alcunha…

Mas, retomando o raciocínio: cada vez mais minhas fiilhas vão deixar de ser “as filhas do Luizão”. Cada vez mais elas vão ganhar espaço próprio no mundo.

Hoje a Glória faz quinze anos. Investimos muito na educação destas meninas. Como eu gosto de frases feitas, “investimos naquilo que o ladrão não pode roubar”. Cada vez mais meu brilho individual vai se esvair, minhas vontades e desejos vão passar a ter menos espaço, minhas prioridades vão perder lugar.

Eu aceito isso com naturalidade. Nem sempre com candura e tranquilidade, pois sou  imperfeito, mas aceito como uma coisa natural. Demorei muito para ter minhas filhas, e tive todo o tempo do mundo para exercer minha vaidade, vivenciar meu egoísmo e satisfazer meus interesses. Como Amanda já diz desde bebê, citando Eclesiastes 3:1 – “tudo tem seu tempo determinado”Foto Dia_2012_06_18_Hora_17_43_4610258563

 

Cada vez mais elas vão deixar de ser “a filha do Luizão” e eu vou passar a ser “o pai da Glória”,”o pai da Amanda”, “o pai da Gabriela”. Isso já ocorre. Hoje. E cada vez mais vai ser assim.

O tempo é delas. Cada vez mais o lugar ao sol e nos holofotes será delas. Que Deus me permita fazer com dignidade meu trabalho nos bastidores.

Hoje Glória faz quinze anos. A festa é dela. Merecida. Que ela construa uma vida de realizações, uma estrada de sucesso, uma firmeza ante as dificuldades, uma capacidade de vencer os percalços, uma sábia dignidade de saborear as vitórias e a certeza que a vida é uma experiência que se renova todo dia.

E que ela sempre trilhe o caminho da retidão. Da firmeza de propósitos. Da clareza dos objetivos. Quando a gente faz tudo certo, nem sempre as coisas vão bem. Mas quando se faz tudo errado, não tem como dar certo. E como gosto de frases feitas, segue mais uma, a definição da insanidade – “insanidade é continuar a fazer o que você sempre fez, desejando obter resultados diferentes.”

Feliz aniversário, Glória. Seja grande. Faça as coisas certas, que provavelmente os resultados serão sempre favoráveis. E quando não forem, sua família está aqui atrás, na sombra, para te dar toda ajuda que estiver ao nosso alcance.

Foi o que meu pai me disse, é o que eu acredito, e hoje eu digo para você.

Feliz aniversário. Amo você.

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