Encontros com o mestre – Tudo é útil

Era um lugar diferente dos habituais.

Já me habituei a vivenciar experiências com o mestre nos mais diversos cenários.

O belo, o feio, o alto, o baixo, o ontem, o amanhã…

Muita sujeira, muita poeira, pouca visibilidade, um cheiro ruim…

Antes que eu perguntasse qualquer coisa, o Mestre falou:

É na Terra, mesmo.

E…

Desta vez ele nem fez aquele suspense de cinema, como se quisesse que eu chegasse sozinho à conclusão…

Lembra daquela montanha bonita, onde o rio fazia uma curva, percorrendo dois leitos e criando uma ilhazinha entre eles?

Sim. Rimos muito neste local, dando nomes a cada braço deste rio… homenagem a um amigo que era muito enrolado… dava voltas para chegar ao mesmo lugar…

Na caminhada, vemos muitos caminhos, pessoas, sentimentos, experiências.

Sim, a riqueza vem da interação – já escutei esse puxão de orelha…

Bom você não esquecer, mas não é sobre isso que falaremos hoje.

E o que é?

Veja este lugarzinho bem desagradável. Olhe bem.

Eu sou um homem de origem modesta. Já estive em lugares feios. O que quer destacar?

Que na vida encontramos modelos de quem queremos ser, do que queremos vivenciar, de onde queremos estar…

Sim. Eles nos dão perspectiva, esperança… às vezes, até alento…

Mas também conhecemos lugares desagradáveis, pessoas ruins, experiências dolorosas…

E…

Os dois tem serventia.

O querer vive nos sonhos. O não querer abre os olhos.

Agradeça pelo que tem ou teve, mas não tenha receio de pedir explicitamente ao universo o que você quer.

Pois pelos passos naturais do crescimento ou por motivos não tão nobres, as pessoas podem um dia acordar sem incluir você nos planos delas.

E aí, você anda.

Pois tanto o sol como a neblina cegam; mas ambos têm utilidade para você.

Confia. Sempre.

E o Mestre fez um gesto com a mão, e o vento afastou a poeira, e mostrou um belo campo, em uma colina mais a frente.

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Crônicas da Vida: Dito certo ou errado, melhora é melhora

 

Recebi um ultimato do meu endocrinologista, em fevereiro/2021.

Se ao voltar com ele, os indicadores de açúcar estivessem ainda altos, iríamos começar a considerar a possibilidade de iniciarmos com injetáveis.

Fiz a única coisa possível neste cenário: cancelei o retorno de maio, adiando para agosto.

Como vi que tal ação me dava tempo, mas não seria suficiente para resolver a questão, me matriculei em uma academia.

Sempre andei muito. 

No ensino médio, eram trinta minutos de caminhada de casa até a estação de trem.

Todos os dias, de segunda a sábado, ida e volta. De mochila e calças compridas.

Até hoje é assim – mesmo com um “ligeiro sobrepeso”, caminho boas distâncias sem sobressalto.

Então, com meus três quilômetros na esteira, eu achei que estava “abafando“.

Perda de peso… nada. 

Mas como me disse minha caçula Gabriela, “o senhor está ganhando massa muscular”.

Um anjo motivador, essa minha filha.

Aí falei para minha filha Amanda, todo empolgado, que estava andando três quilômetros todo dia… 

Dava quase uma hora, na velocidade de 3,6 Km/h, mais aquecimento e “esfriamento” (cool down, não sei a tradução mais adequada…).

Foi quando ela me disse que nesta velocidade eu não estava “queimando” nada. 

Fui ler mais e vi que abaixo de 4,8 Km/h, é nada mesmo…

Comecei a aumentar um pouco… um pouco… um pouco mais…

Em um dia, eu estava em 5,4 Km/h, e disse para mim “hoje chego a 6 Km/h, nem que seja por uns dez segundos…

Nessa hora, na minha playlist aleatória do Deezer, começa a tocar o tema de Missão Impossível…

Temos que ouvir o Altíssimo: os 6 Km/h ficarão para outro dia.

Todo dia minhas filhas me davam a maior força, mas vez ou outra Amanda citava que eu precisava “fazer um treino”.

Já dormia melhor, já comia melhor, me sentia bem, mas o peso só variava em função de eu estar usando usando short ou bermuda…

Ganho de massa muscular, sem dúvida… 

Mas resolvi tocar a frente a ideia do treino.

Comecei a fazer, com orientação do professor.

No primeiro dia, eu comecei a pensar que os injetáveis não eram tão ruins assim…

Doía tudo – do músculo do pescoço até a planta dos pés.

Mas perseverei. Estou nessa, há pouco mais de um mês.

Treino alternado com cárdio.

Por sinal, o cara que inventou o elíptico, deve estar ardendo na chama do inferno…

Mas, toca o barco…

Em agosto, seis meses depois da consulta anterior, voltei com o endocrinologista, com exames atualizados.

Nunca tinha sido elogiado por um médico antes; fiquei até emocionado.

Nada de injetáveis, indicadores bem melhores, melhora no quadro geral.

Não houve perda significativa de peso – tudo bem, é ganho de massa muscular…

Meu pai estaria orgulhoso de mim, creio.

Ele sempre teve um jeito muito peculiar de falar.

Algumas palavras, ele simplesmente não conseguia dizer.

Sanduíche era uma delas – saía algo parecido com “senduísse”.

Outra, era FIAT, a marca de automóveis – era FÍET, não importa o quanto eu ensinasse…

Às vezes, estou na academia, e parece que ouço ele falar: “E aí, Tá-Zã?

Tarzan era outra dessas palavras “difíceis”…

 

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Diário de um mafioso: Objetividade

Contexto histórico, em Junho/2021:

  • Tráfego fechado no Canal de Suez por quase dez dias
  • Países europeus relaxam medidas de restrição contra a COVID-19
  • Emannuel Macron é agredido em viagem ao sul da França
  • CPI da COVID ocorrendo no Senado Federal

E o negócio da vacina, chefe, deu tudo certo? O pessoal que o senhor queria foi vacinado com a Pfizer?

Deu certo… a parte difícil da manobra era conciliar a entrega das vacinas com as datas que “plantamos” no calendário local… então, com o foco muito grande da mídia, o lugar mais discreto para agir era paralisar a produção na fábrica da Bélgica.

E o senhor gostou da solução?

Olhe, eu estou nisso há muito tempo, mas dessa vez vocês me surpreenderam… fechar o Canal de Suez por dez dias? Até eu achei um pouco demais. Mas, parabéns, no final, deu tudo certo.

Falando em Bélgica, chefe… podemos mandar aliviar as restrições na França?

Sim, fale com nosso homem junto ao Macron que em julho quero tudo normal. Estamos com milhares de unidades de hotel já pagas, que locamos quando ninguém podia nem pisar lá, e precisamos dar saída, nisso.

Ok, chefe; mas isso é pra quando?

Pra já; em junho manda liberar as máscaras em espaço público, e em julho, o mais normal possível.

E se ele botar dificuldade?

Não vai botar – já avisei a ele que na primeira o nosso velhinho deu só um tapa – na próxima, àquela distância, pode ser bem pior…

Para encerrar: o relatório da CPI já está pronto?

Já sim, chefe. Com as citações que o senhor mandou. Posso encaminhar para o relator?

Não! Nem pensar! Ele vai começar a usar o nosso material para fazer perguntas melhores para as testemunhas – o material dele é muito fraquinho…

Então eu só espero terminar as oitivas, e encaminho, então?

Não; encaminhe logo para aqueles que serão indiciados. E cobre as taxas de sucesso costumeiras.

Mas foi a gente quem fez tudo… não precisamos mobilizar ninguém de fora da organização…

Eu sei disso. Você sabe disso. Mas eles não sabem disso.

E se alguém questionar, chefe?

Coloque um adesivo grande, com nossa logo e as palavras: “Respostas objetivas”.

Eles vão entender.

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Encontros com o mestre: A tristeza é o mensageiro

“Que lugar bonito, mestre!”

“É verdade… um dia, o bom estará acessível a todos…”

“Será?”

“Sim… mas habitualmente, quando se alcança este ponto, o valor que se dá a essas coisas já não é mais o mesmo…”

“E o que vamos fazer aqui?”

“Sentar na grama e esperar. Um pouco de paz e reflexão sempre faz bem…”

“Humm, humm…”

Neste momento, se aproxima de uma das casas, um carteiro.

Ele chama, chama, e ninguém atendendo, ele segue seu caminho.

“Observou o carteiro?”

“Sim; polido e profissional.”

“Amanhã, ele vem de novo. E se ainda não tiver ninguém em casa, virá no outro dia.”

“E…”

“A tristeza é o mensageiro. É como se fosse o carteiro.”

“E ela continuará vindo até que consiga entregar a mensagem.”

“Somente após aceitar a mensagem, o destinatário poderá fazer movimentos certos. Ou, pelo menos, deveria..”

“É só então a solução fica mais próxima.”

“Ignorar o carteiro não resolve. Ele sempre volta. É o ofício dele.”

“É verdade, mestre. As pessoas tem uma coisa de negação.”

“É um pouco aquela coisa de criança, que pensa que cobrindo a cabeça, o monstro vai embora…”

“É resistência à mudança?”

“Um pouco. Às vezes, é pura e simplesmente medo, mesmo…”

“As pessoas têm medo de perder as coisas. “

“Algumas perdas são lamentáveis. Mas outras, não.”

“Apenas parecem ser ruins, mas é só naquele momento..”

“Algumas coisas, ninguém pode lhe tirar. “

“Especialmente, o que nunca lhe deram. ‘

“E se um dia se teve e agora não tem mais, já tiraram.”

“Ninguém pode tirar o que nunca lhe deu ou o que já tirou de você. “

“Assim, não se deve pensar em perdas em situações como essa.”

Ficamos em silêncio.

“Sabe quem mora naquela casa?”

“Não…”

“É um professor, de uma renomada universidade.”

“Acho que magistério é missão das mais nobres. “

“Mas, deveriam ganhar milhões. Ensinar o óbvio, às vezes, é de lascar…”

Todo mundo tem dias ruins. Até o mestre.

Hoje não era dia de ser aluno.

Era dia de ser amigo.

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Crônicas da vida: Meu pai não viu a pandemia

Meu pai não viu a pandemia. Não como nós.

Ele “viajou” – termo dele – há pouco mais de quatro anos, em março de 2017.

Pandemia era uma palavra no dicionário. Esquecida.

Quando começou, brincávamos.

Alguém espirrava e afastávamos as cadeiras.

Naquele tempo, ainda se podia brincar.

Ninguém imaginava o horror que estava por vir.

E fomos passando, com perdas e sofrimento.

Parentes, amigos e conhecidos morreram.

Eu fiquei internado onze dias. 

E só piorou.

Imagens impactantes.

Falta de recursos.

Erros de avaliação.

Mortes e mais mortes.

E cada número era o amor de alguém.

Tempos difíceis. Muito difíceis.



Tive um sonho ruim, uma noite dessas.

Uma sensação de desorientação e medo.

Deitado, vi primeiro aqueles pés, usando sapatos baratos.

Levantei os olhos e aquele homem apontava para cima.

Lá em cima, o sol, lutando para irromper entre as nuvens.



Meu pai era um brincalhão.

Próximo a passagem, era uma pessoa simplória.

A luz desta vida se apagava ante nossos olhos.

Morreu dormindo. Como acho que morrem os bons.

Mas sempre me lembro do seu peculiar bom humor.

Quando, em tempos nebulosos como esses, eu gravemente dissesse para ele, “ninguém sabe o dia de amanhã, pai”, ele jocosamente diria – “Sexta-feira. Pois hoje é quinta, meu filho.

Meu pai sempre prometeu o sol se o sol saísse.

E nunca me faltou sol.

O calor dele ou a expectativa por ele.

Quando eu não o tinha hoje, eu sabia que um dia ele viria.

Não há  noite que dure para sempre.

Meu pai não viu a pandemia. Não como nós.

Mas tenho a genuína sensação de que agora ele está vendo.

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