Encontros com o mestre: silêncio e ausência

“Tempos difíceis, hein, mestre?”

“Sim, são. Para você, para a maioria das pessoas. Coisas grandes estão acontecendo.”

“Grandes quanto?”

“Grandes, muito grandes. Outra hora falamos isso. Por enquanto, vamos nos ater a você.”

“É, alguns dias e situações estão sendo muito difíceis…”

“Trabalhe melhor esse desejo de aprovação. Já falamos sobre isso…”

“Eu sei…”

“Pois é… todos querem a aprovação e a admiração de todos. Isso não é possível.”

“Você não deve querer aprovação de quem faz juízo errado de você sem nem te ouvir.”

“Quem ouve de terceiros ou faz mal juízo sem nem te consultar, conhecer ou querer saber dos fatos, não é alguém que você deve fazer questão de querer perto.”

“Se te causar prejuízo, confronte.”

“Se não, deixe para lá. Se um dia te procurar, acolha.”

“Mas eu não quero aprovação de todos…”

“Quer sim, todos querem. Todos queremos.”

“Eu só ansiava um pouco mais de justiça e equilíbrio…”

“Lembra da história do bom samaritano?”

“Da bíblia? Sei sim.”

“O bom samaritano acudiu o assaltado na descida de Jerusalém.”

“Os doutores, anteriormente, passaram pelo assaltado e o ignoraram.”

“Sim…”

“Mas o que é pouco destacado: o samaritano o acudiu, proveu o primeiro auxílio, encaminhou seu tratamento, mas seguiu em suas obrigações.”

“Você deve auxiliar, mas não precisa parar sua vida nesse mister. “

“As pessoas tem que se curar, prosseguir, crescer, evoluir, enfrentar e vencer.”

“Mas ninguém valoriza as ações e os feitos; parece que nada nunca é suficientemente bom.”

A força do bem X banalidade do mal dos mercenários da OAB | Diário da Manhã“Você só está olhando para um lado, no seu caminho.”

“Às vezes, você tem que dar o silêncio para quem não se importa com suas palavras.”

“Às vezes, você tem que dar a ausência para quem não prestigia a sua presença.”

“Tente ser uma pessoa melhor, já falamos disso.”

“Mas melhor para você mesmo, também. “

“Lembra como era bom andar no banco de trás?”

“Como é?”

“Banco de trás, quando você era criança…”

“Quase não me lembro disso…”

“Eu sei… mas, mesmo que as pessoas não queiram, chega o tempo de passar para o banco da frente.”

“Tomar as rédeas. Cuidar das coisas. Aceitar que nem tudo é bonança.”

“Mas que nem tudo deve ser desgraça, também.”

“Mas as pessoas sendo injustas, como não se incomodar?”

“Verdade, bondade, necessidade. As peneiras, lembra? Certas coisas, é melhor nem saber ou dar ouvido…”

“Para você é fácil, já está em outro patamar…”

“Será? Tem gente que fala mal de mim sem nem acreditar que eu existo…”

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Diário de um mafioso: furadas e seringas

Contexto histórico, em Dezembro/2020

    • Falha na elevatória do Lameirão deixou vários bairros da cidade sem água
    • Prefeito do Rio, em fim de mandato, é preso
    • Um dos colaboradores estava foragido em Belém
    • Ministério da saúde não possui seringas suficientes para vacinação da COVID

…e, Cara de Gato, só me confirme o pagamento do transporte da bomba – ficou acertado que o pagamento do frete seria por tempo, e não por quilômetro.

Ok, chefe… deve dar uma boa renda… demorou um bocado para a bomba chegar no Lameirão…

Já demoraria, mesmo… não fizemos nada para isso ocorrer… fazemos arranjos, mas não sou malvado… o povo estava todo sem água…

Entendi… mas o pessoal do novato já chegou topando isso?

Eles ainda estão entrando no esquema, mas isso já estava acertado desde o tempo do juiz…

Ah, tá. Vou verificar, chefe. E tem mais uma coisa: o Nosferatu tá liberando os pagamentos direitinho, mas ele está com medo de alguma coisa, pois ele mandou o sub-senador para Belém…

O que? Não, não quero… Fala para o TurnOver disparar a operação… manda recolher todo mundo… manda decretar a preventiva, e logo, que a juíza do plantão judiciário vai manter ele preso.

Tá bom, chefe, farei isso.

Sim, vamos logo desmanchar essa bagunça. E fala pro Ligeirinho que estamos fazendo isso para facilitar a transição dele, pois eles iriam zerar as contas fazendo pagamentos indevidos… nós já recebemos, Cara de Gato?

A maior parte, senhor.  Mais de 80%, pelo menos.

Tá bom, tá bom… pois é, fala pro Ligeirinho que fizemos isso para facilitar a transição dele. E não deixa de agradecer de novo pelo ferro da Perimetral; ficou muito barato…

Tá bom, chefe, mas ele não gosta de falar nisso…

Eu sei. É justamente para lembrá-lo da “taxa do eu sei”…

Ok. Algo mais, chefe?

As seringas e agulhas que eu mandei separar já estão entregues para a Secretaria de Saúde?

Já sim… mas ainda temos umas cem milhões no nosso depósito…

Segura… o governo federal vai tentar comprar, via pregão, e vai falhar… está tudo fechado com os distribuidores…

Tá bom, chefe, está tudo bem guardado.

Mas pode começar a preparar os caminhões… este governo é corrupto como os outros, mas é muito mais incompetente… Se tivesse pelo menos um cara de logística no ministério…

Mas, chefe…

É uma brincadeira, Cara de Gato. uma brincadeira. Mas deixe ele lá, um dia vai nos servir para alguma coisa.

Ok, chefe.

Pois é, prepare os caminhões. Se eles não conseguirem viabilizar a compra, você manda simular um “pela porco” na Brasil, e manda abandonar uns dois caminhões, com o máximo que der de seringas e agulhas, dentro da Fiocruz.

O senhor está ficando bom de coração, não é, chefe?

Talvez… mas não deixa ninguém saber. Divulgue que estou preservando o mercado.

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Diário de um mafioso – Memória afetiva

Contexto histórico, novembro/2020:

  • Polícia faz uma megaoperação em Duas Barras, município de 12.000 habitantes
  • Assalto cinematográfico em Criciúma, Santa Catarina
  • Eduardo Paes eleito prefeito do Rio de Janeiro.
  • O centro administrativo do Rio, construído na antiga zona do meretrício, é chamado de “Piranhão”

“Chefe, bom dia.”

“Bom dia, Azul. Antes de abrirmos nossa pauta oficial, quero fazer uma reclamação com você…”

“O que foi, chefe, o que foi?”

“Calma… no final, tudo acabou bem, mas vocês estão usando demais o Google…”

“Não entendo, chefe…”

“Eu mandei gerar uma distração na terra do Martinho, porque eu precisava dar condição para a retirada de uma pessoa de interesse do Pedro Ernesto…”

“Pedro Ernesto? Mas…”

“Pois é! Vocês foram bater em Duas Barras, terra natal do Martinho! A operação era pra ser em Vila Isabel!”

“Puxa, chefe…”

“Tudo bem, acabou dando tudo certo. Outra equipe fez o serviço. E o nosso associado dos postos de gasolina ainda ganhou um extra, abastecendo as viaturas que tiveram que subir a serra, em regime de urgência.”

“Que bom, chefe. Sobre o curso que o senhor mandou dar…”

“Sim, como foi?”

“Um sucesso! O pessoal adorou as técnicas ensinadas! O pessoal das antigas disse que eles não aprendiam nada tão útil desde que eles ficaram presos com os subversivos e aprenderem que estourar carro forte era melhor do que roubar banco…”

“Caramba… coisa dos anos setenta… estavam defasados, mesmo…”

“É… e deu de tudo: estrangeiro, novato, deputado…”

“Pois é… quero ver se aprenderam… mande escolher uma pequena cidade do interior e usar tudo: grande número de veículos, explosivo plástico, armamento pesado, bloqueio das unidades policiais, muito barulho em vários pontos diferentes, etc.”

“Sim, chefe. Direi que é o trabalho de formatura.”

“Que seja. E avise à turma: nenhuma vítima fatal. Nenhuma. E nada de patrimônio pessoal. O alvo tem que ser corporativo, de preferência com tudo segurado.”

“Tudo bem, chefe, tudo bem… E sobre a política?”

“Azul, nós não temos partido. Nós estamos sempre do lado que ganha.”

“Ok. Já estou jogando fora a bíblia e tirando meu chapéu de Zé Pilintra do armário… Alguma orientação?”

“A princípio, deixa ele a vontade… pode fazer o que quiser… derrubar a ciclovia, reformar a ciclovia, o que quiser…”

“Ok, chefe. ficarei de olho.”

“Só não pode uma coisa: mexer no Centro Administrativo.”

“Direi, chefe… mas, posso saber por que?”

“Memória afetiva. Junto com o “Balança mas não cai” e o “Pedregulho”, acho um dos apelidos mais bacanas da cidade…”

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Encontros com o Mestre – Existe um céu para os juízes?

“Sabe, mestre, eu estava pensando sobre este jogador espetacular que faleceu…”

“Sim, um prodígio com a bola nos pés, sem dúvida…”

“Pois é… envolvido com vícios, alguns pesados, filhos não reconhecidos, coisas assim…”

“Não é o primeiro dos gênios que na vida particular não é um primor de regramento.”

“Pois é… as pessoas idolatram, mesmo com todas as falhas, e aí eu fiquei pensando: existe um céu para os juízes?”

“Como é que é?”

“Sim, um céu para os juízes. Os árbitros, que procuram fazer seu ofício certo, bom e discreto, mas nem sempre com reconhecimento…”

“Mas, assim como os astros, muitos juízes tem a vida pessoal sem rumo…”

“Eu sei, eu sei… mas na minha analogia, estou me restringindo as quatro linhas… quando o juiz faz tudo certo e mal aparece, ao final ele trabalhou bem… mas sem reconhecimento, muitas vezes.”

“Você não pode comparar o juiz restrito ao campo de jogo com a estrela em todos os enfoques da vida. Não é justo.”

“Eu entendo…”

“Mas sei onde você quer chegar. O não reconhecimento pelos que trabalham corretamente e em silêncio em contraponto a festa efusiva aos meninos tortos, com a vida cheia de falhas.”

“É por aí… é que comecei pensando no funeral do craque, e fui me perdendo…”

“Entenda algumas coisas: o torcedor é fanático. E na vida, muitas pessoas, em diferentes níveis, também o são. 

Não mensure sua felicidade pelo reconhecimento alheio. Ele pode não vir. Simplesmente, pode não vir. 

Não agora, não tão cedo, não de quem você espera.

Sobre o céu dos juízes… existem diferentes moradas na casa do Pai, e muitas delas podem ser chamadas de céu… mas céu dos juízes… não, talvez não exista. 

Mas o juiz é uma pessoa, como todas as outras. E para todos, existe um lugar. Um bom lugar.

Aliás, de certa forma, existe um céu dos juízes… na verdade, de todas as pessoas: dentro dela. Quando o equilíbrio e o entendimento das coisas vai chegando, esse céu vai se tornando real, para ela..”

“É um alento…”

“Sim, mas tenha em mente que a plenitude é um direito de todos. Então, o céu maior deve ter de tudo, de forma plena: amor, afeto, reconhecimento, satisfação… só é um longo caminho.”

“Deve ter?”

“Sim, claro. Eu não cheguei lá. Nós não chegamos, ainda.”

“Sim, deve ser um longo caminho, mesmo… mas pelo menos, esse entendimento nos dá perspectiva, certo?”

“Sim. Vivenciamos pequenos progressos, as vezes. O sofrimento desta é o salvo conduto para não vivenciar a mesma atribulação em uma próxima oportunidade.”

“Se a experiência é bem aproveitada…”

“Sim, claro. De que vale um juiz honesto, um passe perfeito do seu companheiro, se você insiste em chutar pra fora?”

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Diário de um mafioso: sementes e sacanas

Contexto histórico, outubro/2020:

  • Um calote nos precatórios foi cogitado como fonte de renda para um programa social do governo Bolsonaro.
  • Compras da China, em sites de e-commerce, quando entregues, vinham acompanhados de um saquinho de sementes misteriosas
  • As queimadas no Centro Oeste foram as maiores dos últimos anos, em 2020

“Diga ao nosso doleiro para se preparar para vender alguns milhares de dólares, pois a cotação vai dar uma disparada e não podemos perder essa janela.”

“Ok, chefe. Vou vender umas moedinhas, também… posso saber o que vai ser?”

“Enquanto falam do Renda Cidadã, vai sair um estudo mostrando o peso dos precatórios nas despesas do governo. Um homem nosso vai misturar os assuntos, vai vazar pra imprensa e o mercado vai enlouquecer…”

“Entendi… e junto, chegaremos lá, não é chefe?”

“Cara-De-Gato, sem nomes, nem referências. É a rede que nos sustenta, e trocar as peças sempre é penoso…”

“Certo, chefe, sempre certo…”

“Mais alguma coisa?”

“O negócio das sementes deu chabu. Vinha entrando com facilidade, a gente estava captando bem, mas agora saiu na mídia, está nos jornais, acho que não vai dar mais para chegar assim…”

“Não se preocupe, Cara-De-Gato. Está tudo no cronograma.”

“Como assim, chefe?”

“Já deu, já. Tem seis meses que tá chegando.”

“Ué, vai parar a operação?”

“Não, agora é que vai deslanchar…”

“Não entendo, chefe…”

“A divulgação na mídia era a senha para os produtores saberem que que as sementes modificadas já estão disponíveis em quantidade suficiente.”

“E porque não fizemos aqui? Temos gente da ciência, muito competente, nos nossos quadros…”

“Mesmo com a rede de contatos, iria ser um mundo de agrados para poder fazer as pesquisas, na velocidade necessária…”

“Isso é verdade… esse povo natureba é muito engajado… e não são de aceitar presentes…”

“Pois é… na China, pelo valor de dois chicletes, um pacote de biscoitos e um playmobil, a gente consegue pesquisar e testar a vontade…”

“Certo… mas já podemos distribuir? Não tem que preparar a terra, já que uma vez movimentado, não poderá ser estocado?”

“E você acha que esse fogaréu no Centro Oeste é o que? O agro é pop. Pode liberar os caminhões.”

 

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