Encontros com o Mestre – Crianças na praça

Ele estava em uma praça, em um final de tarde como tantos outros. A seu lado, o Mestre o olhava, como se esperasse a pergunta.

E ele perguntou: “Já faz um tempo, não é? Por onde tem andado? Tem estado ocupado?”

Sempre estou acessível. Basta você precisar de mim. E parece que você tem achado que não precisa muito…

“Jamais” – ele disse – “eu só tenho andado ocupado com questões práticas, bem como tenho tido um período tranquilo…”

E disse o Mestre: “Por isso, estamos aqui. Quero te mostrar uma coisa. Olhe para as crianças na praça.

Ele olhou. Elas brincavam despreocupadas, descendo nos escorregadores, se pendurando nas barras, rolando pela terra. Despreocupação e alegria na sua forma mais genuína.

E ele disse: “Tranquilas e felizes. Qual é o ponto, Mestre?”

Olhe para os pais delas“, disse o Mestre. “Mesmo quando as crianças acham que não precisam deles, eles não param nunca de observá-las. A cada passo que elas dão, para cada direção que tomam. Leem, desfrutam do sol da tarde, mas nunca param de zelar pelos seus filhos. Mesmo que os filhos não percebam. Ou achem que não precisam.

Nesse momento, um choro de criança se destaca. Ele olha e vê a criança já nos braços da mãe, que foi buscá-la, separando-a de uma confusão com outra criança.

Ela passa ao lado dele, e ele ouve a mãe falando com a criança: “Perdoe sua amiguinha; ela machucou você, mas não sabe bem o que faz… ela é uma criança, igual a você… erra, pois ainda está aprendendo…”

E de repente, começou uma música. Música terrena, conhecida, mas que ele compreendeu de forma anormal, como se fosse a língua nativa dele.

I’ll keep your secrets
I’ll hold your ground
And when the darkness starts to fall
I’ll be around there waiting
When dreams are fading
And friends are distant and few
 
Know at that moment I’ll be there with you
 
I’ll be around
When there’s no reason left to carry on
And every dream you’ve ever had is gone
And the dark is deep and black without a sound
And every star has been dragged to the ground
Know at that moment I will be around
Know at that moment I will be around

E o mestre apontou para longe. A distância, com o sol ao fundo, vê-se a silhueta de uma mulher acenando. A seu lado, uma figura com formas indefinidas – como se fosse um desenho borrado. Mesmo assim, familiar.

E algumas lágrimas desceram de seus olhos. Mas não era tristeza desta vez. Era alento e esperança.

Neste momento, o Mestre botou a mão em seu ombro – “É cedo para isso. Mas se eu sempre estou aqui, imagine as pessoas que você ama de verdade…

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Crônicas da vida – Essa memória nos apronta cada uma…

memoriafracapequenaAo visitar meu pai, sempre costumava dar uma volta pela vizinhança, aproveitando para rever parentes e amigos da infância; esses encontros ocasionais sempre renderam boas conversas, regadas pelas lembranças de tempos alegres e eventualmente até dos difíceis, todos partes do caminho que construiu a trajetória de nossa vida.

Certa vez, tinha acabado de sair da casa de meu pai, e vejo aquele negro forte dobrando a rua. É um colega de infância, jogávamos bola juntos, daqueles que a gente via quase todo dia. Mas eu não consigo me lembrar do nome dele. Só lembro do apelido – Bingala – que ele nunca gostou muito. Me esforço, mas nenhum nome me vem a cabeça, só o apelido: Bingala, Bingala…

Ele me vê. Perfeitamente alinhado em suas mangas compridas, ele me reconhece e abre o seu melhor sorriso, enquanto caminha na minha direção. E agora, o que vou fazer? Ele é um homem adulto, já não gostava do apelido quando era menino, imagine agora… Como vou conversar sem falar o nome da pessoa… O que que eu faço?

Ele se aproxima e me dá um abraço. Ante minha pavidez, ele fala: “O que foi, Carlinho, não está me reconhecendo? Sou eu, Bingala!”

Ufa! Conversamos uma boa meia-hora, lembrando dos amigos comuns e das diversões da meninice. Outro abraço e nos despedimos.

Aí eu dobro a rua e lá vem “Cu de Apito”. Acompanhado de uma mulher, provavelmente sua esposa, e de duas menininhas de uns seis anos, gêmeas…

Mas esse eu lembrava o nome: Sérgio.

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Encontros com o mestre – o bom cabrito não berra?

estacionamentocheiopequenoEstacionamento cheio. Absurdamente cheio. Local de primeira visitação. Noite chegando. Terreno em declive. Árvores e construções impedindo a visada direta.

Caminha para um lado. Desce por uma rampa de terra. Procura um ponto de referência. As curvas atrapalham. Carros demais. Parecidos.

Começa a dar uma ponta de agonia. “Caramba, vou ficar aqui até meia-noite!” Anda mais um pouco. Procura mais um pouco.

Agora é o nervosismo e a impaciência que começam a afligir. A irritação começa a turvar a clareza do raciocínio. “Que droga, não tem uma cor, uma letra, uma placa…”

Tem uma ideia. “Vou abrir e fechar o carro, de repente eu ouço algo”. Abre. Fecha. Abre Fecha. Ouve algo. Não sabe onde…

Quando uma frase repleta de palavrões começa a se formar na mente, ele ouve a voz do mestre: “Quando os problemas surgem, a providência divina sempre te sustentou e fortaleceu. Porque hoje seria diferente?

“Ah, mestre, acho que Deus tem coisas maiores no momento para fazer do que ficar me ajudando a achar um carro…”

Deus sabe do que você precisa antes mesmo que você saiba. As coisas já estão aí, na maior parte das vezes. Basta vislumbrar e usar. Dizem que o bom cabrito não berra. Não é verdade, você deve usar toda a ajuda possível, de todos os recursos e de todas as pessoas. As vezes, com essa conversa de que bom cabrito não berra, a única coisa que ele ganha é o prêmio de morrer calado…

Ele olhou para o controle… função de auxílio de localização… três segundos pressionados, uma, duas vezes; com o cair da noite, as piscadas das setas pareceram um grito no escuro.

Ele ia agradecer, mas o mestre já tinha ido. Ele tinha mais o que fazer ou não queria rir na frente dele…

 

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Crônicas da vida – Sabedoria para agir e não agir

seguranamaodedeusPrecisei fazer uma cirurgia. Como fiquei repetindo para mim e contando para os meus, “simples, preventiva e planejada”.

Dois meses entre a conclusão pela oportunidade e a realização efetiva da mesma. Tudo bem arrumadinho, com acompanhamento de cardiologista, endocrinologista, anestesista; enfim, uma cirurgia eletiva com todos os seus requintes de preparação.

Mas fiquei assustado. Preocupado. Com medo. Segundo o médico, até demais; mas afinal o corpo e a vida são minhas!

Tinha preocupações com o antes, com o durante, com o depois… Falei sobre isso com minhas irmãs, e elas me disseram, cada uma no seu estilo: “Se sentimos alguma coisa, uma dor por exemplo, a orelha já fica de pé. A pergunta vem, será que vou precisar da ajuda dos outros? , mas já entendi que isto não depende de nós.” e “Sem medo exagerado. Tudo dará certo.“.

Conversei com minha esposa, e ela sempre dizendo que iria dar tudo certo. Mas ela compartilhava um pouco do medo. Apenas procurava não falar muito sobre isso. Agradeço; as vezes não queremos realidade crua, e sim alento.

Dessa forma, optei por cuidar bem do antes: agendei e fiz todos os pré-operatórios, dieta e remédios para chegar bem na cirurgia, detalhamento nas consultas explicando meus históricos de problemas nas intervenções, antecipação nos procedimento administrativos e remessa prévia da documentação para o hospital. O depois seria em casa, com minha esposa coordenando todas as ações.

Mas não quis saber do durante. Não fui a internet ver detalhes do procedimento, não pedi grandes explicações ao gastroenterologista, não fui atrás das possíveis complicações que poderiam advir.

As vezes, a situação que estamos vivendo não nos permite controlá-la, mas podemos controlar nossa reação perante ela. Apesar do medo, tentei me manter otimista e seguir confiando em Deus e na minha boa recuperação.

Deu tudo certo. Poucas dores, rotina com pouco desconforto, boa estrutura em casa, dieta controlada, o corpo se acostumando a nova “configuração”… perdi até alguns quilinhos!

Seis dias depois da cirurgia, vamos a casa dos avós de minha esposa, onde se comemorava o aniversário de uma tia dela. Determinado momento, se aproxima um tio dela, médico em Manaus, para saber como eu estava.

Como nossas conversas sempre foram muito ricas, abrangendo diferentes assuntos, ele da maneira mais espontânea possível começa a descrever o procedimento feito no pai dele – que foi o mesmo que eu fiz – que ele acompanhou de dentro da sala de cirurgia. Descrição detalhada, com direito a lama preta, pedras, grampeamento, ressecção, aspiração…

Fui sábio em não querer saber antes! kkk!

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Crônicas da vida – A mensagem que não estava no outdoor

Dia 12 próximo passado, meu pai teria feito 87 anos.
 
Foi o primeiro aniversário sem ele.
 
Levando minha filha caçula para a escola hoje, parei em um sinal.
 
Um outdoor, com o anúncio de uma moto, me chamou atenção.
 
Há muitos anos, ao conseguir o primeiro estágio, falei pro meu pai que era bom ter uma moto.
 
Ele disse que jamais compraria, e fez uma longa explanação que findava dizendo “o para-choque da moto é o peito do piloto”.
 
Hoje, eu poderia comprar a moto anunciada no outdoor. Mas eu não quero.
 
Hoje, eu queria só a bronca do meu pai…
 
Em alguns dias será o meu aniversário. E esse silêncio estará presente de novo.
 
Ame os seus, muito.
 
Mas não somente ame. Demonstre esse amor.
 
Sempre que puder.
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