Hoje, 19/03/2017, pela manhã, meu pai faleceu.

Eu_e_o_Pai_Dezembro2016Hoje, 19/03/2017, pela manhã, meu pai faleceu.

Após quase dezessete anos de luta, convivendo com as consequências de um AVC, e os inúmeros problemas que vieram a suceder este fato inicial.

Sentiu frio, tinha febre, foi medicado, melhorou e foi dormir.

E aí, “viajou”, usando o termo que ele sempre usava comigo, ao falar deste tema.

Sempre achei que “viajar” dormindo era uma bênção para os bons de coração.

Espero mais do que nunca que eu esteja certo.

Não sei objetivamente o que o vitimou; mas neste último combate, não faz muita diferença se o soco foi no queixo ou no supercílio. A luta acabou.

Mas nestes dezessete anos pós doença deu para ver as netas nascerem, fazer uma festa pelos 80 anos, assistir jogos do Flamengo e do Brasil, ouvir forrós do Luiz Gonzaga e conversar uma meia dúzia de coisas.

Foi menos do que gostaríamos, mas foi um tempo de altíssima qualidade.

Recentemente, houve uma salutar discussão em um grupo de amigos do ensino médio, sobre as vantagens e desvantagens de morar fora do Brasil.

Não pude participar, pois quando vi as mensagens, o assunto já estava encerrado; mas, tive vontade de ainda assim me manifestar, pois não mudei de país, mas mudei de cidade em um país de dimensões continentais.

Uma de minhas ponderações seria o quanto se perde de interação familiar, neste processo.

Quando eu olho minha vida, que eu modestamente creio que deu mais certo do que errado, é inevitável pensar quanta ajuda, ora em um sentido ora em outro, eu e meu pai poderíamos ter nos dado nestes mais de trinta anos.

Curiosamente – ou não – esta noite eu tive uma mistura de sonhos e pensamentos envolvendo ele.

Um deles envolvia um almoço na década de 90, em uma churrascaria a quilo – algo que ele então não conhecia – onde ele adorou e até achou barato. Mesmo eu já estando em uma situação confortável, ele nunca me deixou pagar.

Um pensamento puxando o outro, lembro que neste local, também encontramos minha prima Cristina com sua família, todos moradores da Flórida.

Quase 20 anos depois, ela voltou ao Brasil, de visita. Alguns meses depois dessa estada, o pai dela, meu tio Fernando, adoeceu e rapidamente morreu.

Pensei na diferença do calvário, e pensei que pode não se tratar de pessoa melhor ou pior, mas sim de missões e dívidas diferentes.

E pensei que, nestes mais de trinta anos desde que eu mudei de cidade, em todos anos eu estive com meu pai; em alguns bons anos, mais de uma vez.

E mesmo depois que ele adoeceu, agradeci cada ano extra permitido por Deus para nossa interação, anos estes que eu – talvez de forma egoísta – agradecia muito em todas as vezes que pensava nisso.

Perguntei praticamente tudo que queria, recebi as respostas que nem sempre eu queria mas precisava, ri das bobagens e piadas que pode ouvir, captei a sabedoria nos lampejos de lucidez, acompanhei a luz se apagar com tristeza mas com muito amor e respeito.

E agora, ele viajou.

Meu pai já não parecia mais o homem da foto acima, de 2006. O tempo passou e a doença cobrou um preço. Eu também não sou mais o mesmo da foto.

Mas tenho certeza que ele agora, livre das amarras do corpo, brilha mais forte no céu. A mim, cumpre prosseguir na missão que Deus me reservou, honrando a memória de meu pai.

Sei que tive o melhor pai do mundo, no mundo. E creio fortemente que agora tenho mais um amigo no céu, olhando por nós.

Até um dia, pai.

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Crônicas da vida: Eu nego!

Viagem de trabalho, João Pessoa, Paraíba.
 
Missão cumprida, vou na feira de artesanato, comprar lembranças para meu povo.
 
Dentro de um dos boxes onde negocio preços, acompanho com os olhos a chegada de uma família indubitavelmente carioca, pelo forte sotaque.
 
De alguma maneira, eles citam que são de Ramos, e eu já ia comentar que embora não more lá há muitos anos, fui nascido e criado naquela região da cidade…
 
Mas nesse momento entra um garoto, de uns quinze anos, e diz: “Olha, pai, eles tem uma camisa com o nome do meu tio, o Nêgo…”
 
Como eu já não tenho sotaque nenhum, fui saindo de fininho…
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Crônicas da vida: O buço que era bigode

Minha filha estava numa dessas lojas de depilação, e com o serviço concluído, sou chamado para fazer o pagamento.
 
Enquanto aguardo a emissão do cupom fiscal, uma pessoa – que cria eu, uma mulher – se posiciona ao meu lado no balcão.
 
A atendente pergunta “O que vai ser ?” e a mulher responde “Bigode“.
 
Sou pai de menina, e já aprendi que chamam de buço. Mas a atendente manteve-se impávida, e assim fiquei eu.
 
A atendente disse “não estou encontrando… qual é o nome mesmo?” e sem hesitar, a mulher responde “Mateus, sem h“.
 
A atendente permaneceu impassível, mas eu virei e olhei. Era uma mulher pequena, com traços absolutamente comuns.
 
Mas, retornando para minha discrição, pensei  “Nome social, com certeza. O mundo hoje anda tão moderno…
 
A atendente insiste que não está encontrando. Aí a mulher vira para trás e pergunta “Você não cadastrou no seu nome, meu filho?
 
Sentado atrás de mim, um rapazola de uns 16 anos, branquelo, esquálido e espinhento.
 
Normalidade restaurada“, diria o computador daquela nave do “Mochileiro das Galáxias”…
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Encontros com o mestre: Sempre há algo mais a aprender.

singingMonkCaminhavam a noite, por um local bem escuro. Como de hábito, não havia preocupação ou medo, apenas o prazer daquele contato ocasional. A tranquilidade vem da  confiança no mestre, e não raro os locais fazem parte de qualquer aprendizado que venha daquela interação. Conversavam sobre a dificuldade e até uma certa ansiedade por não conseguir dividir com mais gente as coisas aprendidas, lamentando a pouca chance de falar mais, de ser ouvido, de ter uma plateia, de dividir a mensagem com mais gente.

O mestre recomendava paciência, e enfatizava a máxima muito conhecida que diz que quando o trabalhador está pronto, o trabalho aparece. E destacava que ainda há muita coisa para aprender, visto que o conhecimento invade a alma humana das mais diversas maneiras. E conhecimento é somente uma das vertentes, há muito o que se aprender em relação a moralidade, a filosofia, as relações entre os entes; ou seja, há tanta coisa há para alcançar, mesmo que já se comece a dividir.

O mestre apontou para uma pequena porta, e eles entraram. No espaço, a escuridão era ainda mais intensa, e com muita dificuldade notavam-se vultos, acocorados, muito próximos do chão, aparentemente com seus corpos envoltos em mantos e a cabeça coberta por um capuz. Muito pouco se via, apenas os vultos em curto movimento, balançando suas vestes e se movimentando lentamente, como se fossem se arrumar. O mestre em total silêncio apontou para um canto e fez um gesto que ele se sentasse. E assim, ele fez.

E de repente, com que a um comando de um maestro, ele começou a ouvir a música mais linda já ouvida por ele. Vindo somente da voz daquelas entidades, vinha a melodia mais harmoniosa que ele já ouvira. Ele sonhara em ouvir algo assim, mesmo sem ter ideia do quão bonito podia ser. Era como se Deus estivesse cantando para eles, face a harmonia, a doçura, a musicalidade, o enlevo que aquele som trazia. Era um deleite ouvir. Era algo além do que ele podia sonhar, mesmo ele que sonhava que havia lugares onde o vento fazia música ao passar pelas árvores. E ele desfrutou daquele prazer, daquela beleza, magnificada pela pouca luz, que fazia com que toda a atenção ficasse dedicada à audição, com o mínimo de distrações.

Quando fez-se o silêncio, após alguns minutos que ele nem conseguia mensurar, face ao enlevo do evento, o mestre apontou para a porta e eles saíram.

E o mestre lhe disse: “Esse pequeno espetáculo foi só para você ver que ouvir é um grande privilégio. Na verdade, é um dom maior. Dedicar sua atenção genuína para as habilidades do outro é um ato de extrema generosidade, além de um campo enorme de aprendizado. Consegue visualizar algo mais altruísta do que dar o outrem exatamente o que você desejaria receber ?

Eles continuam caminhando pela noite escura, em silêncio desta vez. O mestre já falou que muitas vezes a semente precisa de um tempo quieta na terra, para poder florescer.

Mais a frente, outra porta. O Mestre manda ele entrar. Ele se empolga – “Deus, que maravilha me vai ser apresentada agora ?

Havia algo diferente no novo ambiente, mas ele se comportou da mesma forma do anterior, visto que já sabia se portar – sentou em silêncio, no canto, sob o olhar atento do mestre.

E começou a cantoria – um horror. Pareciam porcos guinchando, pareciam mil pessoas sendo torturadas da forma mais violenta possível, um grupo de vozes berrando, cada uma em uma direção. Se socorrendo aos olhos do mestre, ele vê que o mesmo tinha um pequeno sorriso no rosto, e já apontava para a saída. Apressadamente, eles saíram.

E o mestre falou: “Eu te trouxe aqui só para você entender que muitas vezes, não precisar ouvir  já é um grande privilégio, muitas vezes negligenciado. Há tempo e importância para tudo; para falar, para não falar, para ouvir e para não ouvir. A sabedoria – e boa parte da felicidade – está em saber com conquistar cada tempo desse em nossa vida.

 

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Crônicas da vida: A sorte grande

jackpot_blogSábado pela manhã, aquela passadinha tradicional no posto. Calibrar pneus, jogar água no para-brisa, encher o tanque.

Pelo retrovisor, vejo o frentista meio aparvalhado, olhando alternadamente para a mangueira encaixada no meu carro e para o mostrador da bomba de combustível; o chamei e perguntei o que era, e ele me respondeu que ele não lembrava de ter programado a bomba.

Eu falei que ele provavelmente não fez isso, a bomba disparou porque encheu. Aí ele apontou para a bomba, e disse: “Olha ali, doutor, 150 reais certinho…”

Mandar encher o tanque, ele “disparar” sozinho e dar R$150,00? Sabe quantas vezes isso pode acontecer? Uma em milhares! Isso nunca tinha me acontecido!

Isso é um bom presságio, pensei eu. Corri para a lotérica, e joguei em tudo que era possível: sena, quina, dupla sena, lotofácil…

E sabem o que aconteceu? Não acertei nenhum número! Nenhum! Sabe quantas vezes isso pode acontecer? Uma em milhares! Isso nunca tinha me acontecido!

Pensei comigo que era melhor esquecer esta história de sorte, e viver a vida normalmente, com nossas lutas e conquistas.

Domingo a noite, véspera do meu aniversário, faltando poucos minutos para a meia noite-noite, escuto minhas filhas “se batendo” pelo corredor que dá acesso a porta do nosso quarto, desrespeitando todas as regras de comportamento e horário da casa.

A demanda era matar uma prosaica lagartixa, que as incomodava; ato consumado, mesmo assim elas continuaram nos enrolando, conversando e permanecendo dentro do nosso quarto.

Cheguei a ensaiar uma reprimenda, mas logo ficaram claros os sinais que elas queriam era garantir quem seria a primeira a me dar parabéns pelos meus cinquenta anos!

Que se dane a bomba de gasolina e os cartões da loteria! Esta sim, é a sorte grande!

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